sábado, 22 de janeiro de 2011

Transmigração - Oliverio Girondo

"Uns gostam de alpinismo. Outros entretem-se com dominó. 
A mim me encanta a transmigração.

Enquanto aqueles que passam a vida pendurados numa corda, ou encaixando peças de dominó, eu passo a vida transmigrando de um corpo a outro, eu não me canso nunca de transmigrar.

Desde o amanhecer, me instalo em algum eucalipto a respirar a brisa da manhã. Durmo uma sesta mineral, dentro da primeira pedra que encontro no meu caminho, e antes de anoitecer já estou pensando a noite e as chaminés com um espírito de gato.

Que delícia a de metamorfosear-se em abelha, a de sorver o pólen das rosas! Que voluptuosidade a de ser terra, a de sentir-se penetrado de tubérculos, de raízes, de uma vida latente que nos fecunda... e nos faz cosquinhas!

Para apreciar o presunto não é indispensável ser porco? Quem não desejaria tranformar-se em cavalo? Poder saborear o gosto dos vales e dar-se conta do que significa "puxar o carro"?...

Possuir uma virgem é muito diferente de experimentar as sensações de uma enquanto a estamos possuindo, e uma coisa é mirar o mar a partir da praia, outra é contemplar-lo com os olhos de um caranguejo.

Por isso a mim me atrai meter-me nas vidas alheias, viver todas as secreções, todas as suas esperanças, seus bons e maus humores. Por isso a mim me atrai ruminar a pampa e o crepúsculo personificado em uma vaca, sentir a gravitação e os ramos com um cerébro de noz ou de castanha, embolar-me em pleno campo, para cantar-lhe com uma voz de sapo as estrelas.

Ah, o encanto de haver sido camelo, cenoura, maçã, e a satisfação de compreender, a fundo, a  preguiça dos remansos... e dos camaleões!...

Pensar que durante toda a sua existência, a maioria dos homens não tem sequer sido mulher!... Como é possível que alguém não se entedie dos seus apetites, de seus espasmos e que não necessitem experimentar, de vez em quando, os das baratas... os das madressilvas?

Embora eu já tenha me posto, várias vezes, um cerebro de um imbecil, jamais compreendi que se possa viver, eternamente com um mesmo esqueleto e um mesmo sexo.

Quando a vida é demasiado humana -  e unicamente humana! - o mecanismo de pensar não resulta em uma enfermidade maior e mais chata que qualquer outra?

Eu, ao menos, tenho a certeza de que não poderia suportá-la sem esta atitude de evasão, que me permite trasladar-me aonde não estou: ser formiga, girafa, pôr um ovo, e o que é mais importante ainda, encontrar-me comigo mesmo no momento em que me havia esquecido, quase completamente, de minha própria existência."

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